O garoto pobre que virou Rei


Escrevo hoje para contrariar a tão conhecida frase que diz: “Ninguém é perfeito”. Eu conheço alguém perfeito, aliás o mundo todo conhece, e sabe-se lá se até mesmo seres de outros planetas não conheçam. É fácil identificar e provar que um ser humano é perfeito quando se observa algumas frases e passagens como as que seguem: manchete do The Sunday Times, jornal londrino: “Como se soletra Pelé? D-E-U-S”, e os dizeres de Jimmy Carter, Presidente dos E.U.A, ao ser apresentado ao referido dono da perfeição: “muito prazer, eu sou Jimmy Carter, você não precisa se apresentar”.

Os números são mais realistas, mas as frases e citações que cercam o nome do jogador de futebol eleito atleta do século por 9 diferentes enquetes, dão um tom de realeza e consagração jamais conferidos anteriormente a qualquer pessoa. Que cidadão brasileiro não se enche de orgulho ao ler frases como: "Pensei: ele é de carne e osso como eu. Me enganei" (Tarcísio Burgnich, defensor italiano na Copa de 70), ou “O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stefano. Eu me recuso a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo”, (Puskas, craque do escrete húngaro que dominou o futebol no início dos anos 50). Isto não é perfeição? Já ouviram falar do Carrossel Holandês da Copa de 74, pois é, seu comandante, o consagrado Johan Cruyff disparou para a surpresa dos orgulhosos holandeses: “Pelé é o único que ultrapassa os limites da lógica”. Talvez uma das mais representativas frases sobre o Negrão, como também era chamado, foi exclamada por Sigge Parling, zagueiro sueco encarregado de marcar Pelé durante a final da Copa do Mundo de 1958: "Após o quinto gol, eu queria era aplaudi-lo."

Alguns números são inevitáveis, e então como classificar um atleta que chega 11 vezes a artilharia do Campeonato Paulista, sendo 8 consecutivas. Um goleador se sente o “máximo” atingindo a marca de 500 gols na carreira. O Rei atingiu esta marca aos 22 anos de idade.

Com certeza, alguns fatos ocorridos nos deixam receosos quanto as suas veracidades, pois são realmente provas da perfeição alcançada pelo atleta que em 1970, no México, foi responsável pelo fechamento repentino do comércio da capital em pleno dia útil. Os avisos nas portas dos estabelecimentos diziam: “Hoje não abriremos, fomos assistir o Rei”. Para quem gosta deste tipo de história, conheço duas ou três que não poderia deixar de contar-lhes neste papo descontraído.

1-) "Em Roma, o maior jogador do mundo, Pelé, e um fã." Esta é a manchete do jornal "The Observer", de Londres, em março de 1966. Acompanhando o título, uma foto de Pelé com o papa Paulo VI. A foto fora tirada no encontro do Rei com o papa na biblioteca do Vaticano, local destinado às audiências com estadistas. No encontro, trocando confidências, o papa mostra conhecimentos sobre futebol e a vida de Pelé, que, por sua vez, revela seu lado religioso, contanto a Paulo VI que, na infância, fora coroinha na Igreja de Santa Terezinha, em Bauru.
2-) O ano é 1969. Só mesmo Pelé para interromper a guerra civil na África, entre forças de Kinshasa e Brazzaville, no ex-Congo Belga. O Santos havia acertado um jogo em Brazzaville alguns meses antes do início do conflito. Antes de chegar lá, a delegação passa por Kinshasa e é escoltada por soldados locais, que transferem a guarda para as forças inimigas no meio do rio que separa as duas regiões. No dia seguinte ao jogo, o time volta a Kinshasa e é avisado de que só poderá partir se também jogar naquela cidade. O Santos joga, Pelé recebe muitas homenagens, a equipe segue viagem em paz e, só então, a guerra recomeça.
3-) No estádio El Campin, estão em campo Santos e Millonarios. A partida é a grande atração do dia. Mas o juiz quase estraga tudo. O árbitro anula um gol de Pelé, que reclama além da conta e é expulso. A torcida, que lota o estádio, ameaça derrubar o alambrado, começa a atirar objetos para dentro do campo e a atear fogo nas arquibancadas. Temendo uma tragédia, a polícia faz com que o juiz saia de fininho, destaca um bandeirinha para o seu lugar e promove a volta de Pelé, que marca mais três gols. Resultado final: Santos 5 x 1 Millonarios.

E a noite mágica do milésimo gol? Acho que os Deuses do futebol é que planejaram este pênalti, para que as centenas de lentes postadas no maior palco do mundo pudessem focalizar com perfeição aquele momento único. Por alguns instantes, na noite de 19 de novembro de 1969, a bola foi mera coadjuvante de um homem que, com seus pés, deixaria cravado na história não apenas um recorde, mas a certeza de que ali estava o maior atleta do século.

Hoje é seu aniversário, 62 anos daquele que completará milhares e milhares de anos, com a mesma força e poder que esbanjou nos gramados para se auto nomear Rei. Eu conheço alguém perfeito, e vocês? Parabéns Negrão.

Adriano G. Teixeira.
23/10/2002


The Poor Boy Who Became a King

I write today to contradict the common saying, "nobody's perect." I know someone who is perfect, actually, the whole world knows him, and who knows - maybe even beings from other planets know him. It's easy to see someone is perfect when one observes some of the things that are said about this person: "How do you spell Pelé? G-O-D," from the Sunday Times (London); and Jimmy Carter's remark upon being introduced to the perfect one, "Nice to meet you. I'm Jimmy Carter, and you need no introduction."

The numbers are more realistic, but the quotes that surround the name of the soccer player elected Athlete of the Century by 9 separate entities give a tone of realism and consecration never before bestowed on any one person. Name a citizen of Brazil who does not fill with pride upon reading quotes like, "I thought he was made of flesh and blood like me. I was wrong." - Tarciso Burgnich, defender on the 1970 Italian squad; "The best soccer player in the world was Di Stefano. I refused to classify Pelé as a player - he is above and beyond it all." - Puskas, of the "Magic Magyars" of the early 50's. Is this not perfection? You've already heard of the "Dutch Carousel" of 1974, whose captain, Johan Cruyff, said, to the surprise of all the proud Dutch fans - "Pelé is the only one who transcends the limits of logic." Maybe one of the most representative phrases about "O Negrão" (Big Black), as he was also known, was coined by Sigge Parling, The Swedish defender in charge of marking Pelé in the 1958 World Cup Final: "After the fifth goal, I just wanted to applaud him."

But mentioning some numbers is inevitable. How do you classify an athlete that is 11 times top goal scorer of the São Paulo Championship, 8 of these being consecutive seasons? A "golden boot" winner is extatic to hit the 500-goal mark - Pelé hit it when he was just 22.

Of course, some occurrences leave doubt as to their truth, but they are really proof of his perfection. In 1970, he was responsible for the sudden closing of practically all the businesses in Mexico City in the middle of the work week - signs on doors stated, "We won't open today. We went to see The King." For those who like these kinds of stories, I know a couple more that I can't help but mention in this casual chat:

1-) "In Rome, the best soccer player in the world, Pelé, is a fan," was the headline of "The Observer" (London) in march 1966. Along with the headline was a photo of Pelé with the Pope. The photo was taken at the Vatican library, a meeting place reserved for visits from world leaders. During the meeting, the two exchanged words - the Pope shows his knowledge of soccer and Pelé's life and career, and Pelé shows his religious side, and his days of being an altar boy at the Santa Terezinha church in Bauru.
2-) The year is 1969. Only Pelé could interrupt a civil war in Africa, between the forces of Kinshasa and Brazzaville in the ex-Belgian Congo. Santos arranged to play a game in Brazzaville a few months before the beginning of the conflict. Before arriving in Brazzaville, the team was escorted by the local forces in Kinshasa in their passing through, and, at the river that separated the two enemies, the soldiers transferred the team into Brazzaville's hands, who continued the escort. The day after the game, the team returns to Kinshasa and is told they can leave only if they also play in their city. So they do, Pelé is praised by many fans, and then the team leaves - after which the war resumed in full force.
3-) In the El Campín stadium, in Argentina, Millionarios and Santos are on the field. The game is a huge event. But the referee almost ruined everything. First, he takes back a goal scored by Pelé, who protests the call. The referee then ejects him from the game. The sold-out crowd starts to tear down the fencing, throw objects onto the field, and set fire to the stands. Fearing a disaster, the police escort the referee out, appoint one of the linesman to the referee position, and convince him to take back the call and bring back Pelé, who scores 3 more goals. Final score: Santos 5, Millionarios 1.

And the magical night of the 1000th goal? I think the soccer gods must have planned this penalty, so that the hundreds of lenses aimed at the largest stage in the world could focus perfectly on that very special moment. For a few instants, on the night of November 19th, 1969, the ball was merely an extension of a man who, with his feet, would leave in history not only a record, but the certainty that there stood the Athlete of the Century.

Today is his birthday, 62 years of the one who will live for thousands and thousands more, with the same force and power he used on the field to proclaim himself King. I know someone who is perfect. Do you? Happy birthday, "Negrão".

Adriano G. Teixeira
10/23/2002

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